TRÊS CAMINHOS QUE LEVAM A 2028

Foto: Travis Hinkle

  • Leonardo Alves
  • 30 de dezembro de 2025
  • 20:08

IndyCar discute modelos inéditos de construção dos motores e abre portas para novos fabricantes

A Fórmula Indy segue avançando silenciosamente em um dos debates mais estratégicos de sua história recente: como serão concebidos os motores da nova geração prevista para 2028. Em meio às discussões sobre chassi, custos e equilíbrio técnico, um ponto começa a ganhar contornos mais claros — e, ao mesmo tempo, mais ousados. A categoria trabalha oficialmente com três caminhos possíveis para a construção dos motores, indo além do modelo tradicional que sustentou a categoria nas últimas décadas.

O tema vem sendo acompanhado de perto por Marshall Pruett, do RACER, que há mais de um ano apura os bastidores do novo pacote técnico. Segundo o jornalista, a IndyCar não apenas discute a continuidade de Honda e Chevrolet, como também tenta criar um ambiente mais flexível para atrair novos fabricantes, algo que historicamente tem sido o maior desafio da categoria.

Hoje, existem dois modelos clássicos bem conhecidos. O primeiro é o da produção totalmente interna, como faz a Honda por meio da Honda Racing Corporation US (HRC US). Nesse formato, a montadora projeta, desenvolve e produz integralmente seus motores, além de fornecer suporte técnico às equipes clientes. Trata-se de um programa 100% proprietário, financiado diretamente pela fabricante.

O segundo modelo é o adotado pela Chevrolet, que terceiriza o desenvolvimento e a operação para a Ilmor Engineering. Ainda assim, o projeto é financiado pela marca, segue diretrizes próprias e permanece exclusivo, com motores distribuídos às equipes sob contratos de fornecimento plurianuais. É um sistema híbrido de gestão, mas igualmente fechado e proprietário.

Para 2028, porém, a IndyCar estuda oficialmente uma terceira via, algo inédito em sua história moderna. A ideia foi confirmada por Mark Sibla, vice-presidente sênior de competição e operações da categoria, e envolve um modelo mais flexível, capaz de reduzir custos, acelerar entradas e aliviar a pressão financeira sobre Honda e Chevrolet.

Segundo Sibla, a categoria passou a apresentar três opções quando conversa com possíveis interessados: produzir o motor internamente; contratar uma empresa especializada; ou trabalhar em parceria com um fabricante já presente, utilizando sua plataforma de motor como base para uma nova marca.

“Existe a possibilidade de um novo fabricante entrar utilizando a estrutura de um parceiro atual, seja parcialmente ou até de forma completa”, explicou Sibla. “Esses grupos demonstraram abertura para esse tipo de conversa.”

Na prática, isso abriria espaço para algo até então impensável na Indy moderna: motores tecnicamente idênticos, mas com marcas diferentes estampadas nas tampas de válvula. Um V6 biturbo 2.4 da Honda poderia, por exemplo, aparecer como Dodge. Um motor Chevrolet poderia ser rebatizado como Nissan, desde que houvesse acordo comercial e de engenharia.

É uma solução pouco comum no automobilismo, mas que resolveria um problema antigo da categoria: a dificuldade crônica de atrair um terceiro fabricante. Tanto Honda quanto Chevrolet defendem há anos a entrada de novas marcas para dividir custos e responsabilidades, especialmente diante do cenário atual, no qual sustentam sozinhas um grid com 27 carros fixos e até 33 nas 500 Milhas de Indianápolis.

A proposta ganha ainda mais peso num contexto em que a indústria automotiva global enfrenta dificuldades bilionárias ligadas à eletrificação, reestruturações internas e cortes de orçamento. Nesse cenário, programas de competição passam a ser alvos fáceis. A possibilidade de gerar receita adicional licenciando motores ou compartilhando infraestrutura passa a ser vista como uma solução pragmática — e atraente.

A IndyCar, segundo Sibla, está disposta a atuar como facilitadora nesse processo, aproximando fabricantes interessados, apresentando custos estimados e ajudando a construir acordos viáveis. “Nós mostramos os caminhos, damos uma noção de valores e ajudamos a colocar as partes em contato”, explicou. “A partir daí, cabe a eles chegarem a um acordo.”

Esse debate surge paralelamente a outra pergunta frequente entre fãs: por que a IndyCar simplesmente não adota a filosofia técnica dos protótipos GTP do IMSA, que permitem motores extremamente variados — de V6 turbo a V8 biturbo e até V12 aspirados — com sistemas híbridos opcionais?

Segundo Sibla, a resposta é principalmente física e estrutural. O carro da Indy foi projetado para ser extremamente compacto, leve e estreito. O atual conceito de motor V6 biturbo foi pensado justamente para caber em um espaço muito específico dentro do chassi, mantendo baixo centro de gravidade e eficiência aerodinâmica.

Motores GTP, em sua maioria, são maiores em comprimento, largura e altura. Isso exigiria mudanças profundas no carro: entre-eixos maiores, carroceria alongada, alterações nos túneis aerodinâmicos e até perda de eficiência aerodinâmica. Além disso, motores maiores elevam o centro de massa, prejudicando comportamento dinâmico e desempenho em curvas.

Em outras palavras, adotar motores do IMSA significaria deixar de ter um carro verdadeiramente “Indy”, algo que a categoria não está disposta a fazer.

Ainda assim, a porta não está completamente fechada. A IndyCar admite avaliar propostas diferentes, desde que respeitem limites físicos claros. Se um fabricante apresentar um motor que não seja um V6 2.4, mas que caiba exatamente no mesmo envelope dimensional — comprimento, largura, altura e peso — a conversa pode avançar.

“Sabemos que algumas marcas dizem não trabalhar com V6, então estamos abertos a ouvir propostas”, afirmou Sibla. “Mas tudo passa por equilíbrio de peso, dimensões e empacotamento. Existem limites físicos que não podem ser ignorados.”

Apesar dessa abertura conceitual, o próprio dirigente reconhece que a maioria dos fabricantes com quem a Indy conversa vê com bons olhos o conceito atual do V6 2.4 biturbo. Ele dialoga com produtos de rua, é relativamente compacto, eficiente e tecnicamente moderno — características fundamentais para justificar investimentos.

No fim das contas, a discussão sobre 2028 revela algo maior: a IndyCar tenta equilibrar tradição, sustentabilidade financeira e relevância tecnológica em um cenário global cada vez mais complexo. A criação desse “terceiro caminho” pode ser o movimento mais ousado da categoria em anos — não apenas para sobreviver, mas para voltar a crescer.

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