PRESIDENTE DA INDYCAR EXPLICA COMO A INDY SE PREPARA PARA O FUTURO.

Foto: Marshall Pruett Podcast

  • Leonardo Alves
  • 25 de dezembro de 2025

Doug Boles fala sobre aprendizado no cargo, bastidores da direção de prova, criação do Conselho Independente de Arbitragem e os caminhos técnicos que levam ao novo carro de 2028.

Ao completar seu primeiro ano acumulando as funções de presidente do Indianapolis Motor Speedway e da Fórmula Indy, Doug Boles deixou claro que a adaptação ao cargo foi tudo menos protocolar. Em participação no podcast The Marshall Pruett Podcast, o dirigente fez um balanço pessoal e profissional do período, falou sobre os desafios imediatos da categoria e explicou, em detalhes, como a categoria está se estruturando para atravessar 2026 chegando preparada ao grande marco técnico de 2028.

Logo de início, Boles admite que subestimou o impacto cotidiano da função. “Aprendi que consigo viver com menos sono do que imaginava”, brincou, ao explicar que o volume de decisões e reuniões é muito maior do que previa. Segundo ele, apesar de já conhecer profundamente o IMS, o trabalho na Fórmula Indy exige atenção diária e constante, sobretudo na área esportiva. “O lado da competição consome muito mais tempo do que eu esperava”, afirmou.

O dirigente reconhece que boa parte de seu primeiro ano foi marcada por crises pontuais — episódios envolvendo equipes, decisões técnicas e situações delicadas ao longo da temporada. Isso, segundo ele, acaba desviando o foco de um trabalho mais estratégico. “Quando você entra nesse ciclo de resolver problemas imediatos, perde espaço para pensar no longo prazo”, explicou. Ainda assim, Boles diz que a experiência reacendeu sua paixão pela categoria. “Sempre amei a Indy 500 e a Fórmula Indy, mas esse trabalho reacendeu algo em mim. Ver o esforço das equipes, dos promotores e das pessoas envolvidas mostra o quanto essa categoria é especial e o quanto ela ainda pode crescer.”

Diferente de seu antecessor, Jay Frye, frequentemente associado a um perfil mais técnico e direto na condução esportiva, Boles deixa claro que não pretende ser o “comissário clássico” que decide cada detalhe técnico. Mesmo assim, ele destaca que não é um estranho nesse ambiente. Lembra que foi fundador e diretor da Panther Racing e teve participação direta no desenvolvimento técnico da categoria nos anos 2000, inclusive durante a reformulação dos motores Chevrolet em 2003. “Não sou engenheiro como alguns, mas também não sou alguém alheio a esse universo”, afirmou.

Hoje, segundo ele, o trabalho técnico é compartilhado com nomes como Mark Sibla, Darren Sansom e Tino Belli, além da parceria constante com a Dallara e com os fabricantes Honda e Chevrolet. Boles revelou que uma de suas primeiras ações como presidente foi visitar o teste em Sebring para ouvir diretamente os fabricantes. “Perguntei o que eles gostam, o que não gostam, onde estamos falhando e onde deveríamos investir. Em dois dias aprendi muito sobre como eles veem a Fórmula Indy”, contou.

Esse diálogo faz parte da preparação para o grande objetivo: garantir estabilidade em 2026 e entregar, em 2028, um novo carro e um novo pacote técnico competitivo, confiável e atrativo. “Estamos trabalhando para que, quando esse carro estrear, ele venha com um conjunto forte de chassi e motor”, reforçou.

Um dos pontos centrais dessa transição é a criação do Independent Officiating Board (IOB), o novo conselho independente responsável por direção de prova e fiscalização técnica. Boles explicou que os três membros do conselho — vindos da Europa, dos Estados Unidos e com experiência internacional — já se reuniram presencialmente pela primeira vez em Indianápolis. “Eles começaram a estruturar os estatutos e definir como tudo vai funcionar. Estou extremamente animado com esse grupo”, disse.

Segundo ele, o objetivo do IOB é criar uma verdadeira “parede de separação” entre a gestão comercial da categoria e as decisões esportivas. A partir de 2026, caberá exclusivamente ao conselho contratar, demitir e supervisionar diretores de prova, fiscais e responsáveis técnicos. “Não será mais a IndyCar decidindo isso. Será o IOB”, afirmou.

Na prática, para o fã, muita coisa continuará parecida no dia da corrida. Haverá direção de prova, fiscalização pré e pós-corrida e aplicação do regulamento. A diferença estará nos bastidores. “O que muda é a governança”, explicou Boles. “As decisões passarão a ter mais transparência, documentação clara e um processo formal de apelação, totalmente independente da IndyCar.”

Ele reconhece que, no passado, a falta de clareza alimentou desconfiança. “Não fizemos um bom trabalho explicando por que certas punições eram aplicadas. Isso vai mudar. As equipes vão saber exatamente por que algo foi decidido, com base em critérios objetivos”, afirmou. Segundo ele, essa transparência também ajuda a manter consistência entre diferentes corridas e situações semelhantes.

Outro ponto central da entrevista foi o avanço da inspeção técnica por meio de escaneamento tridimensional. A categoria já investiu em um novo caminhão técnico, totalmente equipado, que passará a ser operado pelo IOB. Esse equipamento permitirá análises detalhadas das estruturas dos carros, algo que começou a ser testado após a Indy 500, quando quatro chassis foram escaneados junto com suas estruturas de impacto.

“O objetivo inicial não foi punir ninguém, mas aprender”, explicou Boles. As comparações incluíram carros usados, modelos novos e os arquivos CAD originais da Dallara. A ideia era entender variações naturais, desgaste e possíveis anomalias. “Descobrimos pontos estranhos em alguns carros e isso nos ajudou a aprender onde precisamos melhorar.”

Ele ressaltou que, por enquanto, o escaneamento não será usado diretamente como ferramenta punitiva. Até 2028, o foco será coletar dados, entender padrões e preparar um regulamento no qual as dimensões possam ser medidas com precisão absoluta. Um dos desafios, segundo ele, é que o atual Dallara DW12 está em uso há muitos anos, com peças produzidas em épocas diferentes, o que gera variações naturais.

Nesse processo, a própria Dallara já intensificou seu controle de qualidade. “Se uma equipe compra uma peça nova, ela precisa estar perfeita. Se algo estiver fora do padrão, a Dallara vai corrigir ou substituir”, afirmou. Algumas equipes, inclusive, já começaram a realizar seus próprios escaneamentos e compartilhar dados com a categoria, criando uma base comum de comparação.

Para Boles, esse caminho fortalece a credibilidade do campeonato. “No futuro, quando uma equipe chegar à pista, ela saberá que seu carro foi escaneado, conferido e está dentro das regras. Isso traz segurança e igualdade.”

Sobre a transição para o novo modelo de governança, ele reconhece que o momento é sensível para os profissionais que atuam hoje nas áreas de direção de prova e fiscalização. Muitos trabalham de forma sazonal e vivem a incerteza sobre continuidade. Segundo Boles, o conselho já começou a se organizar para comunicar essas pessoas e estruturar a transição. “Eles sabem da urgência. Precisam estar prontos para os testes abertos e, certamente, para a abertura da temporada em St. Petersburg.”

Ao final, Boles foi direto ao explicar por que a criação do IOB é tão importante. “Quando você toma decisões difíceis, alguém sempre fica insatisfeito. Isso faz parte. Mas agora essas decisões não passam mais por mim ou pela IndyCar. Elas passam por um órgão independente.” Ele admite que sentirá falta de estar no centro das decisões, mas acredita que esse afastamento é saudável. “Meu foco agora precisa ser crescer a categoria, fortalecer parcerias como a com a Fox, garantir estabilidade com os fabricantes e preparar o futuro.”

Para ele, esse é o verdadeiro papel do presidente: garantir que a Fórmula Indy chegue forte a 2028, com regras claras, governança sólida e um produto esportivo confiável. “Se fizermos isso direito, o resto vem junto.”

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