Foto: Penske Entertainment: James Black
Detalhes do novo chassi que chegará em 2028: mais leve, mais seguro e com um visual completamente integrado.
A Fórmula Indy está, silenciosamente, construindo uma das mudanças técnicas mais profundas de sua era moderna. Após 16 anos de serviço do DW12 — originalmente lançado como IR12 e rebatizado em homenagem a Dan Wheldon — a categoria prepara para 2028 a chegada de um carro totalmente novo, que resgata a nomenclatura histórica e passa a se chamar IR28. A decisão, tomada em outubro, encerra um ciclo raro de longevidade no automobilismo e inaugura um projeto que busca evolução sem ruptura.
O ponto de partida conceitual não poderia ser mais claro. Como explicou Mark Miles, CEO da Penske Entertainment e da IndyCar, o novo chassi nasce com três prioridades absolutas: “estilo interessante, aumento de segurança e novas formas de melhorar as corridas”. O custo entra na equação como fator de responsabilidade, mas não como elemento limitador do conceito. A Indy não quis um carro “barato”; quis um carro melhor, dentro de limites economicamente sustentáveis.
O projeto conjunto entre IndyCar e Dallara aponta para três ganhos centrais: mais potência, menos peso e um sistema híbrido maior e mais integrado. Renderizações da versão mais recente já foram apresentadas a donos de equipe, e a expectativa é que as primeiras imagens oficiais do IR28 sejam divulgadas no início de 2026. Ainda assim, quem espera uma ruptura estética radical pode se surpreender: o IR28 não busca ser revolucionário. Assim como o DW12, ele foi pensado para ser robusto, durável e utilizável por muitos anos. A filosofia é simples: pegar o que funcionou e fazer melhor.

A supervisão do projeto está nas mãos de quatro executivos indicados pela Penske Entertainment: Mark Miles, Rich Shearing (COO da Penske Automotive), Doug Boles (presidente da IndyCar) e Mark Sibla, vice-presidente sênior de competição e operações. Acima deles, há uma influência direta e declarada: “Muitas dessas decisões serão tomadas por Roger Penske, o dono da categoria”, admitiu Miles.
Do lado técnico, o IR28 reúne um dos grupos mais experientes já montados pela Dallara. A liderança está com Aldo Costa(ex-Ferrari e Mercedes), diretor técnico, ao lado de Antonio Montenari, Dialma Zinelli, Andrea Bongiovani, Andrea Guerri e Roberto Vettori. Pela IndyCar, Tino Belli comanda o desenvolvimento aerodinâmico, enquanto Chris Beatty, consultor de estilo, retorna após ter papel-chave no kit aerodinâmico universal introduzido em 2018.
Curiosamente, o caminho até aqui não foi linear. As primeiras renderizações mostradas no fim de 2024 geraram frustração entre diversos donos de equipe. O feedback levou a IndyCar a repensar o visual do carro e reintegrar Beatty ao projeto, numa tentativa de equilibrar estética, eficiência aerodinâmica e identidade visual. Belli, com experiência profunda em monopostos desde a era CART, foi central nesse processo.
Segundo Sibla, a atuação de Belli se deu em três frentes claras: segurança, raceability e estilo. Ele trabalhou desde o comportamento do carro em situações críticas — como impactos em posição de “nariz para cima” — até simulações extensivas de tráfego em túnel de vento e simuladores “driver-in-the-loop”. No campo visual, pequenos ajustes em piso, sidepods e cobertura do motor ajudaram a criar um carro mais equilibrado e agressivo aos olhos, sem comprometer desempenho.
Após anos avaliando caminhos distintos, a IndyCar decidiu que o IR28 será essencialmente um carro novo, e não uma evolução direta do DW12. Alguns componentes — como cubos, uprights e partes da suspensão — serão reaproveitados, mas a vasta maioria do conjunto é inédita. Isso abre margem para ganhos significativos, especialmente em segurança estrutural.
INTEGRAÇÃO DO SISTEMA HÍBRIDO
A IndyCar manterá a arquitetura empilhada do sistema híbrido, com o sistema de armazenamento de energia (ESS) baseado em supercapacitores posicionado diretamente acima da unidade motogeradora (MGU), ambos alojados no bellhousing — a carcaça que abriga a embreagem e faz a ligação entre a transmissão e o motor a combustão interna.
No entanto, o bellhousing do IR28 passará por uma alteração dimensional em relação ao DW12, com expansão na sua parte superior. Essa mudança tem como objetivo permitir a instalação de um número maior de supercapacitores na prateleira localizada acima da MGU. O ganho de espaço para o ESS resultará em uma reserva de energia maior, possibilitando ao sistema híbrido entregar descargas de potência mais longas e mais intensas ao longo das voltas.
SEGURANÇA EM PRIMEIRO LUGAR
O tub, célula de sobrevivência do carro, foi redesenhado a partir de três pilares: segurança, capacidade de corrida e performance. A experiência com o DW12 mostrou que, apesar dos avanços, ainda havia limitações ergonômicas, especialmente para pilotos mais altos. A necessidade de mais espaço interno ficou evidente ao longo dos anos, inclusive com relatos de pilotos saindo do carro com os cotovelos feridos.

No IR28, pilotos como Graham Rahal participaram ativamente do processo de encaixe. O cockpit ficou mais largo, com melhor postura corporal do piloto em relação à cabeça, tronco, pernas e braços. O tub será cerca de 5,1 cm mais longo (2 polegadas), mas sem alterar o entre-eixos regulamentado — que permanece entre 2,98 e 3,09 m (117,5 a 121,5 polegadas). Visualmente, segundo Sibla, essa mudança será imperceptível.
A Indy fez questão de não alterar o “envelope” dimensional do carro. Diferentemente da Fórmula 1, que muda regularmente comprimento e largura, a Indy quis preservar a identidade visual. O IR28 ocupará o mesmo espaço aproximado de 5,08 m de comprimento (200 polegadas) por 1,94 m de largura (76,5 polegadas), mas passará uma sensação de ser mais baixo e mais largo. Não será maior — será mais agressivo.
AEROSCREEN 3.0
Um dos elementos mais visíveis dessa mudança será a nova geração do Aeroscreen. Introduzido em 2020 como solução de segurança, o dispositivo sempre sofreu críticas pelo aspecto “parafusado”. Com o IR28, isso muda radicalmente. Partindo de uma folha em branco, Dallara e IndyCar integraram o Aeroscreen à própria estrutura do carro, tornando-o visualmente mais limpo, mais baixo e mais largo.
Além do ganho estético, há redução de peso. O uso de impressão 3D permitiu otimizar estruturas internas, como colmeias, tornando o conjunto simultaneamente mais leve e mais resistente. Retirar alguns quilos de um componente elevado ajuda a baixar o centro de gravidade, um ganho técnico que agrada equipes e pilotos.
AERODINÂMICA / FORÇA AERODINÂMICA (DOWNFORCE) / ARRASTO
No campo aerodinâmico, a Indy optou por continuidade inteligente. Os níveis máximos de downforce do IR28 serão semelhantes aos atuais — longe dos excessos da era dos kits de fabricante entre 2015 e 2017. O foco está na redução de arrasto e, sobretudo, na melhoria do comportamento do carro em tráfego intenso, especialmente em ovais como Indianápolis.
A filosofia é olhar não apenas para o segundo carro no tráfego, mas para o quinto. Menos peças aerodinâmicas, mais liberdade de ajuste e uma faixa maior de acerto fazem parte do conceito. Importante: a Indy congelará o pacote aerodinâmico do DW12 para as 500 Milhas em 2026 e 2027, evitando custos extras às vésperas da chegada do novo carro.
Na parte híbrida, a arquitetura básica permanece: supercapacitores empilhados sobre o MGU dentro do bellhousing. A diferença está no tamanho. O IR28 terá mais espaço para armazenamento de energia, permitindo descargas mais longas e potentes. Isso significa um híbrido mais relevante no desempenho, sem alterar o DNA da categoria.
MENOS PESO, MAIS DESAFIO
O tema peso talvez seja o mais ambicioso do projeto. A meta é retirar entre 36 e 45 kg (80 a 100 libras) em relação ao carro atual. Hoje, o DW12 híbrido parte para corridas com peso mínimo de 810 kg (1.785 libras) sem piloto e combustível, ultrapassando facilmente 907 kg (2.000 libras) em condição real. O objetivo do IR28 é baixar esse número para algo entre 764 e 774 kg (1.685 a 1.705 libras).
Esse alívio virá de múltiplas áreas: tub, carroceria, assoalho, suspensão traseira e, principalmente, da nova transmissão. A Xtrac, fornecedora histórica, desenvolverá um câmbio totalmente novo, o P1439, de seis marchas, cerca de 9 a 11 kg mais leve (20 a 25 libras) que o atual. A decisão descartou soluções exóticas e caras, buscando um equilíbrio entre custo, robustez e ganho real de desempenho.
O “FIM” DA “GUERRA DOS AMORTECEDORES”?
Uma das mudanças mais significativas – e polêmicas – está nos amortecedores. Atualmente a última grande área de desenvolvimento livre, eles devem seguir para uma especificação mais controlada em 2028. A ideia não é ter uma única peça selada, mas um kit reduzido de opções internas, para cortar os custos exorbitantes que as equipes enfrentam hoje. O primeiro teste em Indianápolis foi considerado um bom ponto de partida.
A suspensão dianteira seguirá o layout clássico de duplo A-arm com pushrods. Na traseira, ainda há discussões em andamento para possíveis otimizações.
FREIOS
Paralelamente às mudanças previstas nos amortecedores para 2028, a IndyCar trabalha em uma atualização do sistema de freios, atualmente fornecido pela Performance Friction Corporation (PFC), em um cronograma mais curto. A introdução do sistema híbrido — com a MGU auxiliando na frenagem do eixo traseiro durante a recuperação de energia — levou a categoria a solicitar o desenvolvimento de uma pinça de freio traseira menor, já que parte da desaceleração passa a ser feita pelo híbrido.
O DW12 utiliza pinças grandes de seis pistões na dianteira e na traseira. A atualização prevista para 2026, possivelmente restrita aos ovais, deve introduzir uma nova pinça traseira monobloco de seis pistões, porém menor e mais leve, reduzindo ligeiramente o peso do carro.
Para o IR28, a IndyCar avalia um pacote de freios totalmente novo, que pode incluir pinças traseiras de quatro pistões, embora a manutenção de um sistema de seis pistões com dimensões revisadas ainda esteja em análise. Segundo Mark Sibla, a série, a PFC e a Dallara seguem discutindo se o novo conjunto será um componente de transição ou já a solução definitiva, com uma decisão esperada em breve, possivelmente antes do recesso de fim de ano.
RODAS
A IndyCar abriu concorrência para a produção de novas rodas a partir de 2027, inicialmente para o DW12 e que seguirão em uso no IR28. Embora a O.Z. tenha sido apontada como favorita, mas a BBS deve ser a fornecedora única, ainda aguardando confirmação oficial da categoria.

As novas rodas manterão o mesmo diâmetro e largura das atuais, mas passarão a ser fabricadas em alumínio forjado, substituindo o magnésio, e eliminarão o aeroflange — a aba aerodinâmica externa que suaviza o fluxo de ar, mas que se fragmentou em acidentes no passado. Segundo o projeto, as rodas de alumínio terão vida útil estimada em sete anos e peso equivalente às rodas de magnésio que irão substituir.
De acordo com Mark Sibla, as rodas serão introduzidas em 2027 sem alteração de dimensões, mas com um foco amplo em otimização integrada, envolvendo Firestone, fabricantes de sensores e a PFC, para melhorar refrigeração dos freios, redução do deslizamento dos pneus, compatibilidade com novos sensores de pressão e temperatura e gestão de peso. A eliminação do aeroflange atende principalmente a critérios de segurança, enquanto a adoção do alumínio equilibra custo, durabilidade e desempenho, com base em dados históricos e experiências de outras categorias.
ENTRE A TRADIÇÃO E A EVOLUÇÃO
O carro manterá a tradição de não ter direção hidráulica, considerado por muitos um ponto negativo da categoria, na contra mão do que é aplicado em outras categorias topo pelo como como a F1, IMSA, WEC e NASCAR, sendo vendido como uma “tradição”, um diferencial. Por outro lado, ganha em sofisticação eletrônica, com ajustes de barra estabilizadora e balanço de freios migrando para os botões no volante. O sistema híbrido atual será ampliado, com um bank de energia maior para entregar mais potência elétrica por mais tempo. Um sistema DRS, como o da F1, foi estudado e descartado por ineficácia.
ELETRÔNICA
A Cosworth segue como fornecedora exclusiva dos sistemas de aquisição de dados embarcados e dos displays de volante da IndyCar, enquanto a McLaren fornece a ECU padronizada da categoria, com outros fabricantes responsáveis por unidades de distribuição de energia e componentes eletrônicos associados. Para o IR28, a tendência é a continuidade de parceiros históricos como Cosworth e McLaren, embora Mark Sibla evite confirmar fornecedores específicos, destacando que nenhuma empresa concentrará todos os sistemas eletrônicos do carro.

No conceito do novo chassi, a IndyCar também pretende eliminar alavancas mecânicas e elementos salientes no cockpit, transferindo esses comandos para o volante, com ajustes elétricos da barra estabilizadora e possivelmente do balanceamento de freios. A discussão, segundo Sibla, passa por encontrar o equilíbrio entre segurança, ergonomia e carga de informações, evitando sobrecarregar o piloto com comandos excessivos no volante durante a pilotagem.

A ESTRATÉGIA FINANCEIRA
Ciente do impacto, a IndyCar planeja a transição com cuidado. Itens como as novas rodas de alumínio da BBS (que substituirão as de magnésio) serão introduzidos já em 2027 no DW12, para amortizar custos. O preço do chassi completo deve se manter na faixa dos US$ 800 mil a US$ 1 milhão, similar ao atual.
O IR28 não é uma revolução radical, mas uma evolução meticulosa. É a resposta da IndyCar aos desafios modernos: como ser mais segura, mais emocionante e financeiramente sustentável. Para os fãs que a promessa é de um carro que honra o passado de lutas Roda a roda, mas com a tecnologia e a segurança do futuro. A contagem regressiva para 2028 começou.
Fonte: Marshall Pruett / Racer.com
